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Interview: Instituto Superior Técnico

Interview with leading civil engineering and aerospacial engineering university, Instituto Superior Técnico (IST) in its offical magazine, Valores Próprios, in the first number dedicated to Culture. (in portuguese)

Valores Próprio Capa, Revista do Instituro Superior Técnico

Revista Valores Próprios 2019-25

Introdução

Entre 1997 e 2002 tirei a Licenciatura pré-Bolonha em Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico, em simultâneo com os meus estudos musicais de piano e composição na Escola de Música do Conservatório Nacional.
17 anos depois de me formar como engenheiro, tive a enorme honra de ter sido escolhido para a secção “Pessoas/People” da revista oficial do IST, no seu primeiro número dedicado à cultura, de Novembro de 2019.
Criei esta página para apresentar a entrevista completa que tive o prazer de ter com a jornalista Marta Pedro LinkedIn, uma vez que apenas parte dela foi utilizada na revista.
A parte da entrevista que foi publicada poderá ser lida neste link.

Agradecimentos

Não sei ao certo a razão de me terem escolhido mas agradeço imenso à Rita Rodrigues UMa/CIERL por ter mencionado o meu nome à responsável pela parte fotográfica da revista, Débora Rodrigues LinkedIn, que apresentou o meu caso à direção do IST e da sua revista oficial: Valores Próprios.

Página com entrevista a Pedro Macedo Camacho na revista Valores Próprios editada pelo Instuto Superior Técnico

Quando é que surge a sua paixão pela música? E como é que a foi explorando?

Julgo que sempre fui apaixonado pela criação de algo: pintura, programação, criação musical e obras de arte (em construção). A música sempre foi o tipo de arte que mais gosto pois é algo que consegue transformar radicalmente qualquer momento da nossa vida. Na minha infância a sala principal tinha 3 zonas, num canto a TV, noutro o computador e a principal, ao centro, era a zona onde se ouvia música. Apenas um sofá e um sistema de som, com alguma qualidade, onde se ouvia música todos os dias, desligando tudo o resto. Julgo que foi desta forma que fui explorando a música: ouvindo! Absorvi muita música clássica, muita música pop dos anos 80 e 90 e bandas sonoras de filmes e jogos de computador. Já com 14 anos, decidi entrar no conservatório com o objectivo de aprender composição.

Acaba por ingressar no curso de Engenharia Civil apesar dessa paixão, porquê?

Lembro-me perfeitamente da sensação incrível de usar pela primeira vez o viaduto sobre o Porto Novo na ilha da Madeira para fazer o trajecto, que repetia com alguma regularidade, entre as cidades do Funchal e Santa Cruz. Tinha apenas 9 anos quando atravessei pela primeira vez aquela obra de arte. Fiquei verdadeiramente impressionado… Tão impressionado como quando descobri, pela primeira vez, Bach ou Debussy. Estava no carro com o meu pai e perguntei quem é que fazia estas coisas! O meu pai respondeu, quem faz com que isto exista são os engenheiros civis com a matemática. Como adorava matemática e queria um dia fazer algo assim, naquele momento decidi, sem nunca me ter arrependido, que queria ser engenheiro civil e projectar obras arte. Sonho de realizei várias vezes logo no início da minha carreira com o Eng. Daniel de Sousa numa empresa chamada Viaponte. O primeiro projecto da minha vida, tinha eu ainda 22 anos, foi a ponte pedonal, em estrutura metálica e mista, para o Aeroporto da Madeira. Estava no meu primeiro dia de trabalho e, a meio da manhã, aparece o Eng. Daniel de Sousa no gabinete e diz a um dos engenheiros séniores que lá trabalhavam comigo: “O Camacho não é da Madeira? Ele que se entretenha com o passadiço para o Aeroporto da terra dele!” Fiquei aterrorizado… mas está construído e continua em bom estado desde 2003.

Link no google maps, street view da ponte pedonal.

Apesar desta formação, opta pela música como centro da sua vida profissional, porquê? Não se imagina a fazer outra coisa?

A título de exemplo, o passadiço do Aeroporto da Madeira tem para mim igual valor ao Requiem Inês de Castro que escrevi. Simplesmente a engenharia é uma forma de arte mais discreta. Normalmente só ficam mediáticos os trabalhos de má qualidade ou onde ocorrem problemas de cálculo ou construção. A música é precisamente o oposto da engenharia neste aspecto: quando corre bem e é bem interpretado o nome do autor poderá ficar em destaque. Eu não me imagino a fazer apenas música ou apenas engenharia. Para mim um complementa e estimula o outro. A minha melhor música foi escrita nos períodos mais intensos de engenharia que tive. Nunca pensei, no entanto, conseguir ser contratado, com regularidade, para escrever música. Muito menos alguma vez pensei que viria a ser convidado para escrever o primeiro Requiem à memória de Inês de Castro ou a banda sonora para um projecto onde o Mark Hamill (Luke Skywalker no Star Wars) entra como actor.

As bases do Técnico contribuíram de alguma forma para aquilo que faz hoje?

As bases do Técnico foram fundamentais na minha vida. Mais do que a parte técnica exigente, aprendemos a pensar. Parece tão simples mas a população pensa pouco pela sua própria cabeça hoje em dia. Vão atrás de algo e nunca tentam ser eles próprios os decisores. Um engenheiro no Técnico é treinado a pensar e a ter espírito crítico. É por essa razão que é possível levar para muitos dos exames todos os livros e apontamentos que quisermos. Cada problema em cada exame não só é completamente diferente dos que foram dados nas aulas ou que estão nos livros, como apenas poderão ser resolvidos se usarmos o cérebro. Os exames também são muito longos, 4 horas de duração nos últimos anos. Isto obriga-nos a ter resistência mental. Todos estes elementos são essenciais na criação musical.

É engraçado encontrar tantos antigos alunos do Técnico com ligação à cultura. Acha que é porque ser engenheiro é ser naturalmente curioso para o mundo e para tudo o que o compõe?

Acho mesmo que tem a ver com aquilo que acabámos de falar. Lembro-me perfeitamente dos meus professores no técnico apelarem sempre ao espírito crítico nos resultados dos cálculos. Os professores que tive, e bem, consideravam que um resultado errado por décimas, mesmo que as contas intermédias tivessem mais erros, teriam ainda alguma pontuação. No entanto, resultados completamente ilógicos, mesmo que causados por um pequeno lapso, não teriam qualquer pontuação. Ter espírito crítico significa ter sempre os nossos sentidos abertos e mais permeáveis ao que nos rodeia. Acho que é isto que faz com que estejamos mais sensíveis às questões culturais. A arte e a cultura apenas poderá ser valorizada se deixarmos que ela entre em nós. Este espírito crítico também torna-nos mais sensíveis também a outras questões, também culturais de certa maneira, e que me parecem pouco lógicas.

Qual a razão de termos pacotes de papel a empacotar conjuntos de pacotes papel que têm lá dentro pacotes de plástico? Dois exemplos: Já alguém parou para pensar na razão de termos hoje em dia um invólucro de papel em cada 4 iogurtes? Qual a utilidade? Ou a razão de existirem caixas de bolachas em papel que, por sua vez, têm pacotes de plástico a agrupar cada 4 bolachas? Preocupo-me com isto pois queria que os meus filhos tivessem um planeta decente até serem avós!

Tocando noutro assunto muito sério, porque razão é que, em casos de violência doméstica sinalizada, a vítima é que tem de sair de casa, mudar o nome e obrigar-se a viver numa casa de abrigo? Não basta ter tido o azar de conhecer o agressor como também tem de abandonar a sua casa, muitos dos seus amigos, provavelmente o seu emprego e viver numa casa com outras pessoas… Não haverá qualquer coisa errada aqui? Dois assuntos que deveriam ser pensados seriamente neste novo quadro europeu.

Como é que avalia o estado da cultura em Portugal e a participação dos jovens em particular na mesma?

À semelhança de muitos países da Europa (exemplo: Grã Bretanha, França) e Canadá deveriam existir reduções significativas no IRC, tributação autónoma e outras taxas municipais a empresas que estivessem a criar cultura:

-Empresas de desenvolvimento de videojogos sediadas em Portugal; Este ponto é verdadeiramente importante pois todas as grandes empresas de videojogos apenas funcionam em países com incentivos fiscais significativos. Será impossível Portugal ter uma grande empresa neste mercado emergente sem um corte drástico nos impostos. Relembro que uma grande empresa de desenvolvimento de jogos emprega centenas de artistas (3D, 2D, Audio, programação, Música, actores, etc). É um tipo de empresa que apela a muitos jovens a quererem ficar em Portugal. Empresas de desenvolvimento de filmes e documentários; Empresas de desenvolvimento de espectáculos e artes performativas. Julgo que os incentivos fiscais iguais e para todos seriam preferíveis com redução drástica dos apoios decididos por qualquer tipo de organismo público. Com estes incentivos fiscais seriam abolidos os espectáculos gratuitos oferecidos por qualquer entidade governativa.

Exemplo simples: Se todos nós ficássemos habituados a pagar X euros para ver o artista A (famoso), estaríamos muito mais abertos a pagar X/5 euros para ver o jovem artista local L. (Se X for 10 EUR para o artista A o artista L poderá receber 2 euros por bilhete!) Se pagarmos 0 (zero) euros para ver o artista A (famoso) pago pelos nossos impostos só aceitamos pagar zero (0/5=0) para ver o artista local L, que não tem apoio nenhum. O jovem artista L desiste de fazer cultura pois não consegue comprar comida com 0 (zero) euros. Resumindo: A meu ver quanto mais simples, geral e quanto menos intervenção do estado em qualquer decisão, melhor e maior será a participação dos jovens.

Relativamente à música clássica sente que é valorizada devidamente em terras lusas? Não há ainda um elitismo associado a este estilo de música?

Depois da estreia do Requiem Inês de Castro na Sé Nova de Coimbra, em 2012, recebi esta mensagem de um dos elementos do coro:

“Olá Pedro!

Quando estiveste cá em Coimbra e tivemos aquela breve mas saborosa conversa às 3 da manhã, não te cheguei a explicar o que faço (o coro e a música são só uma parte…). Sou psicólogo e trabalho numa Comunidade Terapêutica que se dedica ao tratamento da toxicodependência e alcoolismo. É uma casa, onde vivem 12 pessoas em comunidade, passando perto de um ano a tratar do seu problema de dependência – a minha funçãolá é orientar os espaços terapêuticos, em grupo, ou individualmente, e ajudar nessa luta dos residentes contra eles próprios. São pessoas que eu muito admiro, e que passaram muito da vida (e também fizeram muito disparate, graças a Deus!) e que enfrentam o desafio de viverem sem as substâncias que antes os sustentavam emocionalmente. Não é fácil. Como compreenderás, uma parte importantíssima do tratamento é redescobrirem os seus sentimentos, agora num estado de lucidez que por vezes os assusta. Podes então calcular a importância da música como fonte de emoções positivas e até, quem sabem, como alternativa às vivências das drogas. Convidei-os para irem ao “Requiem” e eles lá estavam (perto de vocês, por acaso…). No dia seguinte, pedi-lhes que partilhassem os seus sentimentos por escrito, para te serem enviados. Aqui vão, em anexo, alguns testemunhos acerca do concerto. Um abraço, João.”

Eis dois dos testemunhos que recebi:

“Sr. Pedro Camacho, o que eu senti durante aquela hora foi um enorme turbilhão de sentimentos, senti-me feliz pela beleza que me rodeou, que me fez perceber mais um pouco que existe beleza em tudo, que existe música no ar e que devemos cantar ainda que desafinados e dançar mesmo sem o saber. Fez-me também sentir que a realização de uns dá força a muitos outros que a procuram e que devemos sempre querer o melhor da nossa vida, e que tanto pior ou sempre pior é arrependermo-nos daquilo que não fazemos.”

Tiago, 34 Anos

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“Não sou uma conhecedora de música clássica, mas a verdade é que o concerto me transmitiu uma sensação de tranquilidade, serenidade e paz interior. Fechei os olhos, abstraí-me de tudo e deixei-me levar na viagem dos sons. São momentos assim que relativizam a rotina e nos preenchem. Parabéns e obrigado.”

Carla, 40 anos

Portanto eu sinto que a música é valorizada pelos ouvintes. Há ainda algum elitismo na entrada em alguns recintos onde é tocada a música clássica. Devemos acarinhar todos os que querem ouvir música, independentemente do estilo de música e de onde vêm.